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SERVIÇO DE INTELIGÊNCIA POLICIAL PENAL: ESTUDOS FRENTE AS AÇÕES APLICADAS PELAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS

SERVIÇO DE INTELIGÊNCIA POLICIAL PENAL: ESTUDOS FRENTE AS AÇÕES APLICADAS PELAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS
Mônica Leimgruber
Por: Mônica Leimgruber
Dia 22/09/2022 17h15

CRIMINAL POLICE INTELLIGENCE SERVICE: STUDIES ON ACTIONS APPLIED BY CRIMINAL ORGANIZATIONS

Resumo

Este artigo tem como objetivo evidenciar e refletir sobre o serviço de inteligência policial penal e as ações realizadas pelas organizações criminosas mais expressivas no Brasil. A metodologia de pesquisa utilizada é bibliográfica e documental, embasada em autores que fundamentam a temática. Aborda incialmente a literatura existente sobre a pesquisa e, em seguida, demostra como as técnicas de guerra psicológica podem ser utilizadas visando influenciar sistemas cognitivos do público escolhido para implementação das medidas. Como resultado da pesquisa, conclui-se que o serviço de inteligência policial penal resulta na compreensão da importância do relatório de inteligência policial para tomada de decisão do gestor frente as ações das organizações criminosas que mobilizam e causam terror a população por meio da manipulação intencional das emoções e comportamentos de uma sociedade, no intuito de convencer ou modificar opiniões.


Palavras-chave: Inteligência policial penal. Organizações criminosas. Sistema penitenciário.

 

Abstract


This article aims to highlight and reflect on the criminal police intelligence service and the actions carried out by the most expressive criminal organizations in Brazil. The research methodology used is bibliographic and documentary, based on authors who support the theme. It initially addresses the existing literature on the research and then demonstrates how psychological warfare techniques can be used to influence the cognitive systems of the public chosen to implement the measures. As a result of the research, it is concluded that the criminal police intelligence service results in the understanding of the importance of the police intelligence report for the decision-making of the manager in the face of the actions of criminal organizations that mobilize and cause terror to the population through the intentional manipulation of their emotions and behaviors, in order to convince or modify opinions

Keywords: Penitentiary police intelligence. Criminal organization. Penitentiary system.

 

INTRODUÇÃO

Considerada atividade especializada, a inteligência policial penal é permanentemente exercida por profissionais capacitados, objetivando a produção de informação que subsidie o superior hierárquico de um órgão na tomada de decisão. É apontada como de interesse do sistema penitenciário, além de efetuar a salvaguarda dessa informação, no segmento chamado contrainteligência, também atuando em ações adversas de qualquer natureza, internas ou externas ao órgão, como a questão da guerra psicológica causada pelas organizações criminosas.

A guerra psicológica (PSYWAR), segundo a Organização do Tratado do Atlântico Norte, são ações de comunicação planejadas, com métodos direcionados, com objetivo de “influenciar percepções, atitudes
e comportamento”. Esse termo é utilizado em qualquer ação que utilize procedimentos psicológicos com o objetivo de provocar reação, planejada em pessoas, a qual é empregada não só durante a guerra, mas antes
de depois dela. E não é de hoje que essa modalidade de guerra é usada.

Os Vikings já disseminavam informações sobre sua bravura, com o fito de intimidar os inimigos; sem falar no Império Espanhol que utilizava a inquisição como instrumento de guerra psicológica.

O mundo de hoje, segundo Thomas Owen Jacobs - estudioso da área de liderança estratégica, pode ser considerado volátil, incerto, complexo e ambíguo (VUCA, tradução livre para o português de volatility,
uncertainty, complexity e ambiguity). Nesse contexto, é necessária e urgente a reflexão sobre ações que mobilizam e causam terror a população através de suas emoções e comportamentos, objetivando convencer ou modificar opiniões, utilizando manipulações psicológicas, com o emprego massivo midiático (escrito, falado e televisionado), aliado ao grande catalisador chamado de internet, saturando a capacidade cognitiva, a criatividade e o pensamento crítico.


Outrossim, a guerra silenciosa da comunicação, também conhecida por Soft Power (Poder Brando) está presente em diversos segmentos da sociedade, seja nos negócios (para influenciar o consumo), seja na política (influenciando opiniões sobre determinada pessoa), seja no meio criminoso (influenciando a população contra os meios conhecidos de segurança pública).

Várias técnicas podem ser utilizadas visando influenciar sistemas cognitivos (Valores, Crenças, Emoções, Motivos, Raciocínio, Comportamento) do público escolhido para implementação das medidas, tais como a mudança da moral, reduzir a eficiência de combate do inimigo, transmitir informação enganosa e estabelecer alto grau de credibilidade na informação transmitida. Também encontra utilização na indução de confissão, reforço de atitudes e comportamentos suscetíveis a desenvolver processos cognitivos em outra pessoa.


Com a evolução e crescimento na utilização da internet e redes sociais houve um aumento na circulação de informação, com objetivos diversos, e, o crescimento exponencial das redes sociais também desper-
tou a atenção de organizações criminosas (OrCrims), atuantes dentro e fora do sistema prisional brasileiro, utilizando desses meios para seus ataques ao Estado, manipulando a população contra o Sistema de Defesa Social, além de utilizar as mesmas técnicas no repasses de informações e ordens a seus integrantes.

Nessa direção, o presente estudo objetivou mostrar as evidências das ações das OrCrims do Brasil, especificamente Comando Vermelho (CV) e Primeiro Comando da Capital (PCC) e realizar uma reflexão do
serviço de inteligência policial penal, por meio da utilização da pesquisa bibliográfica e documental que resultassem em conclusões importantes para a área da Segurança Pública.

Para tal, o artigo se divide em capítulos que compõem efetivamente a apresentação da atividade de inteligência e inteligência policial penal; o histórico da utilização da guerra psicológica, a utilização de métodos de operações psicológicas frente as ações das organizações criminosas, com ênfase na utilização da guerra psicológica pelas OrCrims dentro do sistema prisional e a conclusão. 

 

1. ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA E A INTELIGÊNCIA POLICIAL PENAL

A atividade de inteligência fortaleceu-se no século XVI, na Europa, em virtude dos intensos e constantes desentendimentos sociais e disputas políticas entre os Estados. Com o passar dos anos, a inteligência desenvolveu-se como um instrumento de assessoramento às estratégias militares, passando a ser utilizada, mais tarde, como instrumento de Estado.


No Brasil, o desenvolvimento da atividade de inteligência de Estado ocorreu a partir de 1927, quando foi inserida em formato complementar nos conselhos de governo, no mandato do Presidente
Washington Luís.

Considerada atividade especializada, a inteligência é permanentemente exercida por profissionais capacitados, objetivando a produção de informação que subsidie o superior hierárquico de um órgão na tomada de decisão. É apontada como de interesse de instituições privadas e públicas, além de também efetuar a salvaguarda dessa informação, no segmento chamado contrainteligência, também atuando em ações adversas de qualquer natureza, internas ou externas ao órgão.

Com o desenvolvimento das organizações criminosas, que tiveram sua gênese no interior das Unidades Prisionais e se desenvolveram nesse ambiente, houve uma busca de novas ferramentas para monitorar as ações dentro do Sistema Penitenciário, formando a inteligência penitenciária (nomenclatura utilizada inicialmente) em todo país, por meio da publicação Doutrina Nacional de Inteligência Penitenciária (DNIPEN), criada pela portaria nº 125, de 06 de maio de 2013. Essa inteligência tem grande valor no combate as OrCrims, já que se utiliza de técnicas especializadas, sendo que seus métodos de análise de informação proporcionam eficácia nos diagnósticos e prognósticos sobre a criminalidade (FERRO JÚNIOR, 2008).


A DNIPEN segue basicamente os moldes da Doutrina Nacional de Inteligência de Segurança Pública – DNISP (BRASIL, 2015), voltando sua atenção para o Sistema Penitenciário, sendo essencial, junto com outros órgãos de inteligência do Sistema de Defesa Social (integração) no combate ao crime organizado. Assim, há um acompanhamento sistemático dos integrantes de organizações criminosas intramuros e extramuros, adotando medidas, por meio de informações coletadas, para neutralizar suas ações.


Ruwel (2015) expõe que a inteligência penitenciária é uma atividade eficaz, apropriada e clara, sendo um importante instrumento de combate as organizações criminosas e completa:

[...] subsidiará a administração prisional com informações capazes de auxiliar e facilitar a 
elaboração de um plano estratégico de políticas institucionais em nível de segurança, ao
mesmo tempo em que criará uma relação de confiança com outras redes e órgãos de inteligência,
inserindo o sistema prisional em vasta rede de inteligência, possibilitando a sistematização
no tratamento de dados e informações e facilitando o cruzamento de grandes quantidades de
informações (construindo, por exemplo, um diagrama de relacionamento da organização criminosa.
Ainda, oferecerá a necessária segurança orgânica no que tange à segurança de pessoal, material,
às instalações e às informações (contrainteligência) (RUWEL, 2015, p. 33).
Outrossim, conforme Moreira e Gualdi (2022):

Cabe à inteligência policial penal a produção de conhecimentos de inteligência para fins de planejamento, execução e acompanhamento daqueles assuntos voltados ao sistema penitenciário e à segurança pública, subsidiando, no que tange aos atos criminosos de qualquer natureza, ações e/ou operações capazes de prever (determinação antecipada de um evento futuro que ainda não ocorreu no passado nem no presente), prevenir (antecipar, preparar, precaver e evitar) e neutralizar (tornar inofensivo) (MOREIRA e GUALDI, 2022, p.102). Sobre a questão inteligência, Antunes, Nicoloso, Gomes (2022, p. 27) descreveram que “quanto a sua utilização, por tratar-se de um instrumento do Estado a atividade de inteligência só deverá ser empregada em seu benefício”.

Necessário comentar que, apesar do descrédito aplicado ao serviço de inteligência, pois no Brasil se vincula a atividade a períodos históricos que necessitam de maiores estudos, muito se tem a fazer para gerar imagem positiva perante a sociedade, na entrega de prestação de serviço que traga esclarecimento e combata pessoas e instituições que atentem contra a organização que se defende. Conforme Antunes, Nicoloso, Gomes (2022, p. 27) “os serviços de inteligência, apesar de serem aceitos e terem a sua importância reconhecida em diversos países, ainda são estigmatizados pelas sociedades que neles habitam”.

Portanto, a inteligência policial penitenciária, como forma de assessoramento para o gestor da pasta, pode auxiliar na produção do conhecimento, utilizando metodologia própria, para identificar as principais ameaças dentro das OrCrims com o fito de neutralizar as ações criminosas, as quais tanto têm consternado a sociedade.

No próximo capítulo serão apresentados discursos e narrativas das OrCrims, utilizados para despertar na sociedade um sentimento de guerra psicológica.

 

2. GUERRA PSICOLÓGICA (PSYWAR): UTILIZAÇÃO DAS TÉCNICAS NA HISTÓRIA


É possível que uma das primeiras utilizações da guerra psicológica (PSYWAR) esteja descrita no livro Juízes, capítulo 7, da Bíblia Sagrada, que trata da “Campanha de Gedeão”. Ele utilizou a seguinte estratégia: separou seus homens em três grupos de 100, dando-lhes trombetas e jarros com tochas no seu interior, deslocando-se para o acampamento do inimigo. Ao chegar no local todos tocaram o instrumento ao mesmo tempo quebraram os vasos, retiraram a tocha e gritaram: “Espada por Javé e por Gedeão!”. Os inimigos ficaram estonteados, confusos e com medo, fugindo do acampamento.

Na era moderna, o início das operações psicológicas remonta a Grande Guerra, ocorrida de 28 de julho de 1914 a 11 de setembro de 1918, com estudos na área de propaganda, especialmente nos Estados Unidos da América (EUA), utilizado como marco principal os apontamentos de Lasswell (2015), na obra “Propaganda Téchniques in the World War”, publicada pela primeira vez em 1927.


De acordo com o autor, na primeira guerra mundial, a guerra psicológica era apenas um dos instrumentos eventuais utilizado pelos militares, tendo auxiliando e muito nas decisões de guerra. Foi questionado seu emprego ético, por conta de costumes da época, que confiavam mais em armas e tudo aquilo que pudesse ser visto. Na segunda guerra a utilização de propagada foi muito mais efetiva, as restrições ocorridas por conta dos costumes da época foram retiradas com o avanço efetuado pela campanha alemã, tendo sido largamente utilizada pelos aliados, para contrapor a propaganda nazista.


A comunicação é entendida como processo de transmissão de uma mensagem, em que o Emissor - que pode ser quem fala (ator) ou quem efetua a mensagem (autor), envia uma mensagem por meio de um canal, com o objetivo de chegar ao destinatário final (receptor). Não se pode confundir com informação, a qual não tem um feedback entre emissor e receptor, após a mensagem enviada.

Sob a ótica do modelo de Lasswell (1987), o ato comunicativo tem cinco perguntas: Quem/ diz o quê/ em que canal/ para quem/ com que efeito?

O ato comunicativo, segundo a representação gráfica de Francisco Rüdiger (2011, p.20) foi definido na seguinte forma:

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Identifica-se o emissor da mensagem como ator ou autor, pois ele pode ser simplesmente um emissor da informação (ator) como também pode ser seu criador (autor). Cumpre observar que o feedback do ato comunicativo é aquilo que o ator ou autor espera que, em uma guerra psicológica, seu objetivo seja alcançado.


Reardon (1981) descreveu que a persuasão é atividade de comunicação consciente, através do qual o emissor busca com a mensagem atingir determinado objetivo comportamental no receptor, ambicionando a mudança de comportamento deste. Por sua vez, Cialdini (2021) elenca que para persuadir é necessário seguir alguns princípios: reciprocidade, afeição, aprovação social, autoridade, escassez, compromisso e coerência e unidade.

Essa mudança leva ao reconhecimento do papel dos processos de formação da personalidade como um processo dinâmico de reconhecimento, suposição e mudança de papéis ou papéis sociais, nos quais a
maior ou menor exposição e grau de credibilidade às mensagens persuasivas recebidas diariamente, momento a momento, pela mídia adquire um papel relevante (ROIZ, 1996, p.11).


O ambiente e o público são ingredientes necessários na produção de informações que possam influenciar a mudança de comportamentos e atitudes. Assim, determinado público pode se tornar influenciado a pensar ou fazer algo que se deseja, tudo feito com procedimentos técnicos específicos. Isso porque o comportamento, segundo a Etologia, acontece de maneira automática, chamados de “padrões físicos de ação”, que são
desencadeados, no caso dos seres humanos, por gatilhos mentais.


A influência ou capacidade de influenciar, conforme estabelece o dicionário Michaelis significa “o poder ou preponderância sobre outros numa determina área”, essa capacidade pode ser ampliada de tal modo
que uma ou mais pessoas possam ser conduzidas a atingirem determinado objetivo.


Conceituando contrapropaganda, Garcia (1999, pág. 19) comenta que “contrapropaganda na prática, se concretiza através da emissão de mensagens que, associadas aos argumentos ou a personalidades dos adversários, despertam reações negativas”, diante disso, e, por possuir forma clássica de atuação, que seria a desmoralização das ideias adversárias, ou até mesmo, o emissor adversário, vindo a colocar em dúvida a
mensagem que o emissor adversário pregou, ela acaba sendo pouco utilizada na prática do sistema penitenciário atual.


A propaganda e também a contrapropaganda objetivam obter a maior quantidade de informações sobre aquilo que desejam atuar, pesquisando desde hábitos, expectativas, motivações, e quaisquer outro elemento necessário para poder prever as atitudes a serem assumidas em face a aplicação de determinada técnica de propaganda.


Nesse sentido, a propaganda pode ser considerada como forma psicológica violenta usada por OrCrims para intimidar, impor o medo na sociedade, com intuito de alcançar seus objetivos, dentre estes: angariar fundos e recrutamento de novos integrantes. Ademais, a chave para isso, muitas vezes é a cobertura da mídia, a qual facilita, divulga e dá visibilidade para “salves” e comunicações que supostamente são efetuadas por integrantes de OrCrims advindas do sistema penitenciário.

Assim, a plena utilização das operações psicológicas (PSYOP) nas guerras do século XX, contribuiu para o grande número de comentários e estudos sobre propaganda e na segurança pública, a Doutrina Nacional de Inteligência Penitenciária (DNIPEN) trabalha o conceito de contrapropaganda no conjunto de atribuições relacionadas à segurança ativa, destinadas a encontrar, reconhecer e estudar ações de propaganda
adversa.

 

3. A UTILIZAÇÃO DE MÉTODOS DE OPERAÇÕES PSICOLÓGICAS PELAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS


De acordo com informações disponibilizadas no site do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o levantamento realizado pelo Ministério da Justiça, no ano de 2014, demonstra que o número de presos no Brasil teve aumento superior a 400% em 20 anos. O Centro Internacional de Estudos Penitenciários, ligado à Universidade de Essex, no Reino Unido, relata que a taxa média de encarceramento mundial é de 144 presos para cada 100 mil habitantes. No Brasil essa taxa dobra, ou seja, o número de pessoas presas sobe para 300%.

Em relação a reincidência criminal, pesquisa efetuada pelo próprio CNJ, no ano de 2011, indica um crescimento de 83 vezes em 70 anos na massa carcerária do país. Na evidência da velocidade do crescimento desproporcional da taxa de prisão, observa-se os dados coletados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que indicam um crescimento aproximado de 7,96% da população brasileira, no período entre 2010 e 2020.


A Universidade de Londres, por meio do Instituto para Crime e Justiça, publicou no informativo da World Prision Brief (WBF) que o Brasil está na 3ª posição no ranking dos países que mais encarceram no mundo e demonstra, em sua análise, que a reincidência é um dos fatores da falência da atividade estatal referente à reintegração social.

Outro ponto importante, que deve ser considerado nos números acima apontados, é a existência de OrCrims dentro do sistema prisional brasileiro. Com demonstração de força, dissimulação e persuasão cotidiana nas ações empregadas por seus membros objetivam reconhecimento territorial ou submissão do mais fraco.


3.1. O surgimento das organizações criminosas no Brasil


A utilização do termo “facção” para identificar grupos criminosos, normalmente constituídos dentro do sistema penitenciário brasileiro, iniciou no final dos anos 80. Antes, era designada a terminologia “falange”, que era utilizada no período da ditadura para se referir aos grupos de pessoas envolvidas em questões políticas. Assim, por razões estratégicas a imprensa e outros órgãos passaram a chamar os grupos criminosos de “facção”, e, apesar deste termo possuir longa utilização, com a promulgação da lei 12.850/2013 (BRASIL, 2013) estabeleceu-se o termo “organização criminosa”.

Historicamente, a mídia do estado do Rio de Janeiro foi a primeira a utilizar o termo “facção”, por acreditar que a “Falange Vermelha” era uma dissidência de outros grupos, usado como sinônimo de “cisão”. Por sua vez, a mídia do estado de São Paulo entendeu que o termo “facção” era mais “profissional” do que crime organizado, passando a reproduzir esta nomenclatura para dar destaque em suas notícias. Entretanto, o Brasil é único lugar no mundo que utiliza este termo para referenciar as organizações criminosas - OrCrims (MALAVOTA, 2015).


Importante mencionar as OrCrims mais atuantes no cenário Brasileiro, também responsáveis pelo surgimento de outras organizações, seja pela discordância ou pela ganância de seus integrantes, identificadas como Comando Vermelho (CV) e Primeiro Comando da Capital (PCC).


A organização CV surge no Instituto Penal Cândido Mendes popularmente conhecido como “Caldeirão do Diabo”, na região da Ilha Grande (RJ), no ano de 1968, por meio do convívio forçado de presos comuns e militantes de grupos armados (guerrilheiros), alocados juntos na Galeria B da unidade aplicada de “fundão”, principalmente em decorrência do Ato Institucional nº 5 e da alteração do Decreto-Lei nº 898 (MALAVOTA, 2015).


Já a organização PCC por sua vez, originou no anexo conhecido como “Piranhão” da Casa de Custódia de Taubaté/SP em 31 de agosto de 1993, em razão de disputa de poder entre presos oriundos do interior de São Paulo e presos da capital paulista (DIAS, 2013; JOZINO, 2004). Parte desse momento, o surgimento da organização criminosa mais expressiva do sistema prisional brasileiro que, atualmente tem como tema consolidado de “paz, justiça, liberdade, união e igualdade” nas prisões e fora delas, se afirmando por meio do crime de tráfico de drogas, armas, contrabando de cigarros, lavagem de dinheiro e outros ilícitos.


Neste universo, a necessidade de conhecimento sobre OrCrims com maior atuação no sistema penitenciário brasileiro pode auxiliar no planejamento e identificação de ações que podem ser utilizadas para a contrapropaganda inimiga.

 

3.2. A utilização de técnicas de Psywar nas narrativas do crime organizado


O crime organizado utiliza métodos da guerra psicológica na contemporaneidade através do uso da comunicação eficaz, por meio de mensagens, a fim de persuadir, principalmente, seus integrantes presos
no Sistema Penitenciário. Dessa forma, suas ações e ameaças contra a Segurança Pública acabam dispondo de mais força.

Em relação as mensagens, Domenach (1975) elencou regras que integram a abordagem estratégica desta forma de comunicação, chamada de contrapropaganda, além de demonstrar a teoria de persuasão disponibilizada na tabela a seguir:

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Importante destacar as fórmulas simples para análise de elementos relacionados a propaganda e contrapropaganda, identificadas por Haltenburg (1968), as quais foram assim descritas:

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Isso, dentro de um Sistema Prisional, pode ser visto na denominada política de leniência adotada pelos Chineses na Guerra da Coreia. Os prisioneiros de guerra sofriam ataques psicológicos dos chineses e
falavam um dos outros, evitando assim que fugas fossem efetivadas. As operações psicológicas implementadas nos prisioneiros americanos eram baseadas inicialmente em poucos pedidos que evoluíam para coisas substanciais, gerando um compromisso e coerência.

As organizações criminosas não fazem diferente. Exploram oportunidades, adequando recursos comunicativos para persuadir o público-alvo, utilizando palavras de alta conotação emotiva. Isso é amplamente visto em manuscritos redigidos por integrantes das OrCrims - conhecidos como “salves”.


Em 11 de Fevereiro de 2020, o veículo de notícias “Portal do Holambra” foi publicado suposto “salve” da OrCrim CV, alertando moradores e criminosos a respeito de proibição sobre roubos e assaltos em determinados territórios na cidade de Manaus, situada no estado do Amazonas, como descrito abaixo:

“Primeiramente viemos saudar a todos do mais novo ao mais velho leitor desse salve que todos 
recebem de forma amiguavél e respeitável: viemos aqui por meio deste salve para deixar todos
que são criminosos e vivem essa vida que a partir de hoje não aceitaremos mais os roubos em
(ônibus, uber, moto taxi, celular de pedestre, igrejas, estudantes, trabalhadores) e toda
classe de baixa renda que se enquadra ai encima, pois o CV- AM veio para trazer a paz a justiça
e a liberdade não para tirar de quem não tem e nem para oprimir morador nenhum, a partir de hoje
não queremos mais ninguém cobrando moradores de invasão pois eles já estão la e porque não
tem condições de pagar uma moradia vamos ter atituldes de criminosos meus irmãos a partir de
hoje pois o CV e uma organização seria sensata e certa, e a partir de hoje esta brecada mortes
na zona leste, zona norte, zona sul e zona oeste exceto na COMPENSA, assim também como não queremos
mais derramamento de sangue dentro dos sistemas e lugar para pagar o que deve e isso não se paga
com a vida meus irmãos essa ideologia era dos fdcu não do CV, queremos que todos fiquem cientes
para que não venha errar e depois não falar que não foi avisado então meus irmãos adradecemos
primeiramente a Deus por tantos e inúmeros livramentos e segundo a todos que cansaram de tantas
injustiças e patifarias chega de oprimissão chega de pilantrageme chega de morte meus irmãos
deixamos um abraçoi para todos criminosos e leitores” (PORTALDO HOLANDA, 2020).
A mensagem transmitida pelas organizações criminosas geralmente deve ser coerente com outras já
difundidas anteriormente, devendo ter credibilidade para que o público-alvo consiga ser persuadido,
com uma abordagem cognitiva sensível, com fito a despertar motivações e com uma linguagem adequada
para que seja entendida pelo público-alvo.

Se faz necessário registrar, que apesar do salve possuir informações relacionadas a possível tentativa de controle social informal com a utilização de técnicas de contrapropaganda, não há registros em órgãos
da Segurança Pública da adesão desse tipo de movimento.


Outro exemplo de mensagem efetuada por OrCrims está na emissão de estratégias para elevar a moral da população, normalmente aquela que está sob seu domínio em determinadas regiões das cidades, dirigindo a esse universo, interno ou externo de maneira que venha antecipar a qualquer trabalho contrário as mesmas por parte do Estado.


A faixa pendurada, no ano de 2019, no Complexo do Salgueiro na região de São Gonçalo no estado do Rio de Janeiro, cuja transcrição diz: “Bem-vindo ao CPH G8 Senhores moradores: ao entrar, farol baixo, alerta ligado, vidro arriado e devagar. Para sua segurança, ficaremos grato” (figura 2) foi exposta em via pública, para rápida percepção e visualização de populares da comunidade:

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Perceptível nesse tipo de estratégia é a utilização da proximidade com a comunidade, sob o pretexto de segurança de seus habitantes, entretanto seu objetivo real é controlar o acesso indevido de policiais ou
membros não permitidos em sua área de atuação.

As cores utilizadas também vogam nesse tipo de recurso utilizado, pois esta é uma linguagem individual. Farina, Beres, Bastos (2006, p.14) comentam que “o homem reage a cor subordinado a sua condição física
e as suas influências culturais, não obstante ela possui uma sintaxe que pode ser transmitida, isto é, ensinada”.
Os fatores que influem na escolha das cores consideram os hábitos sociais ao longo do tempo, e, no caso da faixa, a cor branca traz o significado de pureza, o preto de negativo, o vermelho de calor, dinamismo, excitação e por fim o azul está relacionado a pureza e honradez (FARINA, BERES, BASTOS, 2006).


Outra técnica de operação psicológica utilizada é evidenciar pessoas que entraram em confronto com forças de segurança pública, imbricando sentidos a sua atuação como se fosse uma luta do “bem contra o mal”, a exemplo do muro situado no Complexo do Salgueiro, em homenagem a integrantes da OrCrim CV mortos.

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Como no exemplo do cartaz, as cores verificadas foram preto, branco, vermelho e azul, trazendo os mesmos significados anteriormente identificados. Ressalta-se ainda que, além da exposição em muro com a demonstração de pessoas pertencente a OrCrim CV - considerados “heróis” da comunidade, há o alcance via internet, por conta da rede social twitter, através de publicações abertas para visualização de 52 mil seguidores diretos que a conta possui, não sendo possível condicionar a quantidade de pessoas que já visualizaram as mensagens postadas.


Face ao exposto, verifica-se que toda ação utilizada pelas OrCrims possui planejamento, motivação e produzem efeitos psicológicos na população. Elas suscitam métodos de operações psicológicas para gerar
proximidade com as comunidades, as quais estão vinculadas, e impõem medo como quesito de engendramento comportamental das pessoas para, assim, se obter a perpetuação das atividades ilícitas. Concomitante, intencionam influenciar emoções, motivações, tomadas de decisões e comportamentos daqueles que compreendem como seus adversários. 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS


Os trabalhos relacionados ao sistema penitenciário possuem características que o diferenciam de outras atividades relacionadas ao eixo de persecução penal e também a Segurança Pública. Porém, apesar do
sistema penitenciário possuir problemas estruturais e operacionais dos quais não se difere de outras instituições, este não é o único responsável pela criminalidade e violência perceptível no cenário político/social brasileiro.

Assim, o gestor penal exerce suas funções em um sistema complexo, ou seja, não controlável integralmente, com visão imperfeita de diversas situações, gerindo interação de inúmeros parâmetros, aliada a turbulência e instabilidade, em um mundo de realidades voláteis, que se modificam a cada período não sazonal, trazendo em si aspectos contraditórios, com forças antagônicas e oposições visíveis. Este profissional precisa da interlocução direta com diversos setores públicos e privados, que passam por toda gama de políticas públicas e possibilidades relacionadas ao trabalho penitenciário, isso sem contar os diversos órgãos que também atuam a persecução penal, e, possuem vínculos com o sistema penitenciário tais como: ministério público, poder judiciário, direitos humanos, cidadania, defensoria pública e iniciativa privada. Para isso os relatórios produzidos pelo serviço de inteligência policial penal são importantes na tomada de decisão do gestor.


Os efeitos do compartilhamento de informação e também da grande velocidade com que a modernização vem crescendo, além da massiva utilização de tecnologias de informação e de comunicação, por meio das mídias disponíveis em fontes abertas e redes sociais, tornou inesgotável a fonte de conhecimento, disponível a qualquer pessoa que tenha condição e interesse de fazer.


A partir do levantamento utilizado na pesquisa observou-se que, com a evolução e crescimento na utilização da internet e redes sociais, ocorreu considerável aumento na circulação de informação, com objetivos diversos, além disso, o crescimento exponencial das redes sociais também despertou a atenção das OrCrims, atuantes dentro e fora do sistema prisional brasileiro, utilizando desses meios para seus ataques ao Estado, manipulando a população contra o sistema de Defesa Social, além de utilizar de técnicas de operações psicológica, as chamadas psywar, no repasses de informações e ordens a seus integrantes.

A psywar tem por escopo principal a tentativa de conquistar “corações e mentes” sem a utilização da força, influenciando principalmente a capacidade argumentativa e a opinião dos alvos previamente escolhidos e estudados, por meio de uma campanha bem empregada. Seu impacto depende da credibilidade das ações utilizadas e seus efeitos atingem valores, crenças, emoções, motivações, raciocínios ou comportamentos, de
uma ou mais pessoas.


Diante deste cenário, o serviço de inteligência policial penal tem necessidade de redigir relatórios, para que os gestores viabilizem a neutralização das duas principais organizações criminosas no Brasil – o Comando Vermelho e o Primeiro Comando da Capital. Pois, ambas têm como base a conquista de simpatia por ideias de luta em torno do contexto social em que vivem (cárcere), demonstrando a falha estatal e a falta de legislações específicas para o trato humanitário, criando uma força de resistência utilizando, para isso, pessoas (em situação de prisão ou não) que se identificam com tais argumentos.

 

REFERÊNCIAS


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