PRIMEIRO COMANDO DA CAPITAL - PCC: ASPECTOS DO SERVIÇO DE INTELIGÊNCIA PRISIONAL E AS CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA COGNITIVA- COMPORTAMENTAL NA COMPREENSÃO DO FENÔMENO DA CRIMINALIDADE ORGANIZACIONAL
Eixo Temático: Inteligência em Segurança Pública Mônica Pinto Leimgruber, Yuri Fonseca Lopes e Hêndrio Inandy José de Souza | mo_gruber@hotmail.com
INTRODUÇÃO
O Primeiro Comando da Capital (PCC), também conhecido por 15.3.3., em alusão a ordem alfanumérica de sua sigla, surgiu em 31 de agosto de 1993, no anexo da Casa de Custódia de Taubaté/SP conhecida como “Piranhão”, em razão de disputa de poder entre presos de grupos distintos. Parte desse momento histórico, a expansão da maior organização criminosa brasileira que, engendrada em um discurso ideológico de “paz,
justiça, liberdade, união e igualdade” no ambiente prisional, se consolida por meio do crime de tráfico de drogas. Outra variável do enfoque de respostas violentas dos sujeitos com vivência em grupos criminosos advém da análise das obras de Albert Bandura, com a teoria social cognitiva. Neste viés, o artigo tem por objetivo apresentar questões correlacionais do surgimento e da consolidação transnacional do PCC aos aspectos da teoria que adota a análise dos mecanismos psicossociais de desengajamento moral ou desconexão moral que perpassam por uma perspectiva interacionista da moralidade, sendo as ações morais o produto da interação recíproca de influências cognitivas, afetivas e sociais.
DESCRIÇÃO DA EXPERIÊNCIA
A teoria social cognitiva é indicada para aplicações sociais por especificar tanto as determinantes modificáveis quanto a maneira de como estas devem ser estruturadas em relação aos mecanismos aos quais operam. Pois, compreender o processo de modelação (ou imitação) oportuniza entender como as pessoas efetuam mudanças pessoais, organizacionais e sociais (BANDURA 1969, 1997; BANDURA, ROSENTHAL, 1966; BANDURA, AZZI, POLYDORO et al, 2008).
Teoria que adota uma perspectiva interacionista da moralidade, sendo as ações morais o produto da interação recíproca de influências cognitivas, afetivas e sociais (BANDURA, 2002). O pensamento moral é um processo em que regras e padrões multidimensionais são usados para o julgamento da conduta. O raciocínio moral está ligado à ação moral por meio da autorregulação afetiva, através da qual o agir moral é exercido (BANDURA 1986, 1991).
A autorregulação por meio da qual a agência moral é exercida tem especial relevância no autogerenciamento do comportamento transgressivo e possui dois aspectos: o inibitório que se manifesta a capacidade de frear ações desumanas e o operativo de moralidade que expressa na capacidade de agir de forma humana. Padrões morais não funcionam como reguladores internos fixos de condutas, o funcionamento moral é regulado por uma individualidade autorreativa dentro de um determinado contexto social (BANDURA 1991, 2002, 2006).
Bandura, Barbaranelli, Caprara e Pastorelli (1996) pesquisam 675 jovens de educação fundamental em Roma, em relação à agressividade com foco intenso em agressão impulsiva, e concluíram que as ameaças massivas ao bem-estar humano resultam mais de atos deliberados de princípio do que atos ilimitados de impulsos. Desse modo, são propostos, pelo autor, oito mecanismos psicossociais de desengajamento moral ou desconexão moral:
Justificação moral – mecanismo que opera em relação ao que é culpável e se torna uma conduta pessoal e social aceita, por meio da reconstrução cognitiva que representa a conduta antissocial;
Eufemismos – mecanismo de mascaramento de atividades repreensivas em relação a forma de como são nomeadas, faladas, com intuito de diminuir a gravidade do ato ou dar-lhe um status respeitável;
Comparação vantajosa – mecanismo que opera quando condutas consideradas prejudiciais dão a impressão de consequência menor, se comparadas com outras atividades mais repreensíveis;
Deslocamento da responsabilidade – mecanismo que opera na ideia de que outras pessoas agem com a mesma intenção;
Difusão da responsabilidade – mecanismo usado quando as pessoas veem suas ações como se estivessem emergindo de pressões sociais ou de imposições dos outros, mais do que algo pelo que são pessoalmente responsáveis;
Minimização, ignorância ou distorção das consequências – opera quando as pessoas acreditam fazer o mal pelo bem ou que os fins justificam os meios, minimizando o mal que causam, evitando encará-los ou negligenciando-os;
Atribuição da culpa à vítima – mecanismo em que as pessoas veem a si mesmas como vítimas, sem culpa, vez que são pressionadas a agir de forma prejudicial por uma provocação forçada, ou então a ver suas vítimas culpadas e merecedoras de seu prejuízo;
Desumanizar a vítima – mecanismo utilizado quando se retiram das pessoas suas qualidades humanas ou quando lhe atribuem qualidades bestiais, fúteis.
Bandura (2004, 2006) abordou o tema terrorismo junto aos mecanismos de desengajamento moral e afirmou que as práticas terroristas se utilizam de estratégias violentas para atingir resultados e instalar o medo populacional, e do desengajamento moral na preparação de ações terroristas. Considera que os terroristas são treinados psicologicamente em desengajamento moral, treinamento esse que, geralmente, é realizado isoladamente do modo prevalente de vida social, em ambiente de profunda imersão ideológica).
DISCUSSÃO
O autor, em 2007, evidencia, ainda, que existem ações desengajadoras em âmbitos individual e coletivo.
Nesses estudos sobre agressividade, Bandura investe na formulação do desengajamento moral para explicar as ações agressivas que o executor aplica a outros e não se responsabiliza pela ação danosa. No desengajamento moral, Bandura mostra que as pessoas encontram justificativas para cometer atos antissociais sem se sentirem culpadas ou censuradas por isso. O indivíduo se desprende dos próprios padrões morais para cometer atos agressivos, sem autocondenação (AZZI, 2011).
Assim, a teoria de Bandura contribui significativamente na compreensão do processo de práticas expansivas do PCC, de onde o autor explica que os grupos criminosos se utilizam do desengajamento moral para a preparação de suas ações de estratégias de violência para atingir seus resultados e instalar o medo na população. Nesse viés, os membros são treinados psicologicamente em desconectar-se da moralidade, já que este treinamento geralmente é realizado isoladamente do modo prevalente de vida social, em ambiente de profunda imersão ideológica. As dimensões do desengajamento moral são gradualmente trabalhadas e promovem mudanças nos graus de autocensura dos treinados e lentamente os sujeitos vão naturalizando seus comportamentos agressivos (BANDURA 1999, 2009).
RESULTADOS
As principais questões que corroboram com a permanente existência do crime organizado são a superlotação carcerária; a falta de condições de separação dos presos por crimes e idade; a falta de estruturas que apliquem com eficácia a sanção e a reinserção do preso na sociedade; a falta de oportunidades de emprego após o preso cumprir a pena; a dependência de substâncias psicoativas; o aumento da criminalidade; e, principalmente, fatores ideológicos ligados a circunstâncias psicológicas.
Diante da dificuldade do estado, enquanto partícipe da sociedade, em assumir seu papel para a recuperação do preso, a organização criminosa PCC assume e cumpre um papel de “estado paralelo”, que, como afirma Biondi (2010), transcende ao vínculo com o indivíduo preso e, mesmo após o cumprimento de pena em regime integralmente fechado, incentiva-o à prática de atividades ilícitas nas ruas.
CONCLUSÕES
Todavia, o sistema prisional passa a ser, cada vez mais, um ambiente favorável para se desenvolver os mecanismos psicossociais de desengajamento moral explicados pelo psicólogo Albert Bandura, vez que a aprendizagem humana ocorre pela via de ação direta e observacional em ambientes em que os sujeitos estão acostumados a ver e a conviver.
A esses fatores ainda há de se adicionar o entrelaçamento anterior das pessoas presas, que geralmente está enraizado em ambiente de apartações sociais. O desengajamento moral se constrói na trama social e na compreensão de valores e práticas culturais diferenciadas, sendo facilmente correlacionado a efetiva atuação em grupo organizado para o crime e pelo crime, o qual se auto-intitula Primeiro Comando da Capital.